sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Tem que trabalhar


O arquiteto jogou uma guimba de cigarro na rua, dizendo “é bom para o gari. Ele tem que ter trabalho”.

O gari, irritado, espancou o arquiteto, pensando “o médico que tratar desse aí vai ter trabalho”.

O médico-cirurgião, ao receber o arquiteto com rosto todo desfigurado, fez uma remendada aqui e outra ali, já imaginando o trabalhão que um psicólogo teria para recuperar a autoestima do sujeito.

O psicólogo, assustado com tamanho estrago, passou a bola para um psiquiatra. Não queria trabalhar em vão. Aquele ali só melhoraria à base de remédios.

O psiquiatra receitou um tarja preta. Fez mal seu trabalho. Errou feio na dose medicada, e o arquiteto morreu. “Ferrou”, pensou, “isso agora vai ser trabalho pro meu advogado.”.

O advogado trabalhou (seu penteado), trabalhou (o corte perfeito do terno italiano) e trabalhou (no cálculo dos seus honorários). E o psiquiatra foi preso.

Desgostoso, o psiquiatra se matou dentro da cela. Deu um enorme trabalho para os carcereiros, para o coveiro e para sua esposa, que odiava pensar em trabalhar.

Também gerou trabalho para os jornalistas, que deixaram de cobrir as farras dos artistas e jogadores de futebol, para noticiar algo sério.

Tudo porque o arquiteto resolveu jogar uma inocente guimba de cigarro na rua.

Só que a vida é normal demais para uma sequência tão absurda de acontecimentos. Seria muito esquisito. Não deve ter acontecido de verdade.

É para isso que existe o escritor.

Ele também tem que trabalhar.


                                                     Ilustração: samaritana.paginas.sapo.pt

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