sábado, 1 de setembro de 2012

Túnel

Era um cara legal. Mas tinha defeitos. Claro, todos têm defeitos. Só que os defeitos dele eram irritantes. Era um cara irritante. Muito teimoso. Tanto teimava que chegava a irritar. Mas, no fundo, tinha um bom coração. Coitado. Não era culpa sua ser teimoso. Nem irritante. Bem, talvez.

Era uma pessoa de posses. Tinha tudo que queria. Diria até que um pouco mimado. Foi criado assim, com a vida pronta para si. Como se o seu quebra-cabeças estivesse sempre completo, encaixado. Nada a reclamar. A vida era bela. Como é que existiam pessoas capazes de reclamar dela? Viver era uma dádiva. Um desfrute. Bem, talvez.

De fato, não reunia razões para achar o contrário. Era quase forçado a pensar assim. Forçado a não pensar. Na escuridão das ideias. Um sujeito pragmático. Estático. Como todos os seus atos. Uma visão precária. Parcialmente nula. Totalmente contaminada. Sem alcance. Caminho sem ida nem volta. Bem, talvez.

Um belo dia, que mais parecia uma bela noite, ele viu uma miragem. Parecia uma miragem. “Estou ficando doido”, pensou. Era um clarão. Uma luz. Parecia o céu. “Será que morri, de repente?”, se perguntou. Só que não havia anjos e harpas. Não, ele não tinha morrido. Podia ser um sonho. Não havia nada que indicasse que aquilo era de verdade. Só um clarão imenso. A promessa de uma luz. Será que Freud explicaria? Bem, talvez.

Não, não explicaria. Não era sonho nenhum. Ele se beliscou. Doeu muito. Então era tudo ainda de carne e osso. Mas o que seria aquela luz? Aonde daria aquele clarão? Uma loucura. Chegou mais perto. Receoso. Trêmulo. Não conseguiu enxergar bem o que era. Quer dizer, até viu, mas não entendeu nada. Era um túnel, com uma luz ao fundo. O tal do clarão. Ficou tentado. A luz normalmente é muito chamativa. Valia arriscar e ir em frente? Bem, talvez.

A resposta nós nunca saberemos. Ele não tentou. Achou que não tinha motivos para entrar e seguir em frente. Estava bem onde estava. Ficou ali. Feliz, mesmo com a escuridão à sua volta. Pouco importava aquela luz. Tinha tudo o que queria, e a vida era perfeita.

Bem, talvez. 

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