domingo, 16 de dezembro de 2012

Vento

-- Cuidado, moça!

Jorge tinha acabado de sair do escritório. Estava desolado. Fora demitido. “Culpa da crise”, disse seu chefe. Ex-chefe. Vagou pelas ruas, pelas calçadas. Precisava de um ar fresco. Precisava ver pessoas, imaginar o que se passava com elas. A verdade é que estava com uma enorme vontade de tomar um porre para esquecer de tudo. Estava decidido. Ia entrar no primeiro boteco que encontrasse para entornar tudo o que fosse necessário para não lembrar da vida e seguir em frente com ela. Um paradoxo. Estava vivendo um paradoxo. Estava, do verbo “não está mais”.

-- Ai! Por pouco! Obrigada pelo aviso. Que cara doido, nem pôs a seta!

Marina estava com muita vontade de tomar um chope. Mas não tinha companhia. “Beber sem brindar não é tão legal”, pensou. Resolveu então apenas sair para dar uma volta de bicicleta. Sentir um vento na cara, perambulando por aí. Pegou a magrela e foi. Foi, foi e foi. Estava tudo tranquilo. Vida espairecida. Pensamentos reorganizados. Estava realmente relaxada. Estava, do verbo “não está mais”.

FOOM!!
-- 
Tá maluca???

Renato estava excitado. Pilhado sempre. Era um cara da noite. Da curtição. Dentro do seu carro, tocando aquele som “esperto da night carioca” (como ele mesmo se gabava). Ao fazer uma curva, quase atropelou uma ciclista. Depois fechou a janela, voltou pro seu ar-condicionado dentro do carro e seguiu seu rumo sozinho.

-- Mais um chope, por favor!

Jorge e Marina definitivamente se encontraram. Ela, quase atropelada. Ele, atento no meio do caos que estava a sua vida, salvou outra.  Dali, papo foi, papo veio. Resolveram ir a um boteco jogar conversa fora. Estava tudo bem novamente, sem o susto do quase atropelamento. Seria o primeiro de muitos encontros, até se casarem. Ganharam uma nova chance na vida. Ganharam uma vida de verdade.

-- Que filme chato!

Naquela mesma noite, Renato, depois de quase atropelar a ciclista, estacionou o carro, chegou à sua casa e ligou a TV. Estava passando “E o Vento Levou”. Não quis assistir. Resolveu, então, ir dormir, acompanhado de seu ursinho de pelúcia.

“Isso é que é vida”, pensou.



                                                            Foto: Eduardo Navéga