Jorge
tinha acabado de sair do escritório. Estava desolado. Fora demitido. “Culpa da
crise”, disse seu chefe. Ex-chefe. Vagou pelas ruas, pelas calçadas. Precisava
de um ar fresco. Precisava ver pessoas, imaginar o que se passava com elas. A
verdade é que estava com uma enorme vontade de tomar um porre para esquecer de
tudo. Estava decidido. Ia entrar no primeiro boteco que encontrasse para
entornar tudo o que fosse necessário para não lembrar da vida e seguir em
frente com ela. Um paradoxo. Estava vivendo um paradoxo. Estava, do verbo “não
está mais”.
--
Ai! Por pouco! Obrigada pelo aviso. Que cara doido, nem pôs a seta!
Marina
estava com muita vontade de tomar um chope. Mas não tinha companhia. “Beber sem
brindar não é tão legal”, pensou. Resolveu então apenas sair para dar uma volta
de bicicleta. Sentir um vento na cara, perambulando por aí. Pegou a magrela e
foi. Foi, foi e foi. Estava tudo tranquilo. Vida espairecida. Pensamentos
reorganizados. Estava realmente relaxada. Estava, do verbo “não está mais”.
FOOM!!
-- Tá maluca???
-- Tá maluca???
Renato
estava excitado. Pilhado sempre. Era um cara da noite. Da curtição. Dentro do
seu carro, tocando aquele som “esperto da night carioca” (como ele mesmo se
gabava). Ao fazer uma curva, quase atropelou uma ciclista. Depois fechou a
janela, voltou pro seu ar-condicionado dentro do carro e seguiu seu rumo
sozinho.
--
Mais um chope, por favor!
Jorge
e Marina definitivamente se encontraram. Ela, quase atropelada. Ele, atento no
meio do caos que estava a sua vida, salvou outra. Dali, papo foi, papo veio. Resolveram ir a um
boteco jogar conversa fora. Estava tudo bem novamente, sem o susto do quase
atropelamento. Seria o primeiro de muitos encontros, até se casarem. Ganharam
uma nova chance na vida. Ganharam uma vida de verdade.
-- Que filme chato!
Naquela
mesma noite, Renato, depois de quase atropelar a ciclista, estacionou o carro,
chegou à sua casa e ligou a TV. Estava passando “E o Vento Levou”. Não quis assistir.
Resolveu, então, ir dormir, acompanhado de seu ursinho de pelúcia.
“Isso é que é vida”, pensou.
“Isso é que é vida”, pensou.
Foto: Eduardo Navéga