Prezado Dr House
Estou escrevendo essa carta de forma
desesperada. Preciso me comunicar com alguém, mas não consigo. Todo mundo à
minha volta enlouqueceu e você é a minha última esperança de tentar entender
tudo o que tem acontecido.
Não compreendo o comportamento dessas
pessoas. Elas agora, quando saem para confraternizar e encontrar amigos, nada
falam, só digitam. Ficam antenadas diante daqueles malditos celulares. Que
raiva daqueles aparelhinhos! Não há conversa. Agora só mandam “inbox”, seja lá
o que isso significa.
Tudo é exagerado. Tudo acontece muito
rápido e gera milhões de repetições o dia inteiro, a semana inteira, o ano
inteiro, a vida inteira. Meu Deus! Agora me bateu um desespero ainda maior.
Será que esse comportamento durará uma vida? É muita loucura por muito tempo.
Não pode ser! Não vou aguentar!
Imagine só, doutor, que uma frase despretensiosa,
sem nexo nenhum, pode significar tanta coisa pra essa gente. Experimente falar “para
nossa alegria, Luiza está no Canadá”. É como se fosse um código. Eles vão à
loucura. Riem, ficam histéricos e disseminam mais e mais. Repetidas vezes, o
tempo todo. Eu não entendo. Eu piro!
Isso sem falar no exagero de exposição
dessa galera. Está todo mundo muito mais exposto. E o pior: eles gostam disso.
Eles mesmos se expõem. Virou notícia saber que aquela dançarina siliconada
esteve na praia se bronzeando numa terça-feira à tarde. Pior: virou notícia
saber o que o seu colega de trabalho comeu no café da manhã! Essa gente quer gritar
para o mundo que está vivendo a vida intensamente. Mas será que todo mundo quer
saber? Eu não quero! Aliás, eu nem acredito nisso. Esse pessoal quer mostrar
muito por fora porque, por dentro, sabe que pouco tem. É uma autoafirmação
vazia. Tenho certeza. Mas e daí? Está todo mundo fazendo isso! Acho que tenho
que fazer também então, certo? Ou não? Será que só eu sou normal por aqui? Que
vontade de berrar!
Se bem que já nem sei mais o que é ser
normal. Tem tanta gente no mundo, tantas culturas diferentes, tantas bizarrices
acontecendo todos os dias, que eu de fato me sinto como um “cego em tiroteio”.
Dizem que ser diferente é ser normal. Não sei dizer. Me sinto diferente, mas
não sei se sou ou estou normal. Só sei que estou “perdidinho da silva” e
preciso de ajuda. Me salve!
Estou cada vez mais sem rumo. Me sinto
sozinho. Me sinto indiferente e ao mesmo tempo diminuído. Repito todos os dias
(e até nessa carta): será que só eu sou normal? Ou será que o louco sou eu? Se
bem que estou escrevendo uma carta para um personagem de TV. Personagens não
existem. Acho que minha pergunta está respondida.
Vou perguntar algo diferente então: eu
tenho cura, doutor?
Com sincero afeto,
Chapeleiro Maluco.