quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Essência do Palavrão


Vá para aquele lugar. Tome naquele orifício anal. Na ponte partida, no rebento parido pela prostituta. Vá para lá também. Mas não se esqueça, jamais, de ir se copular. Falar palavrão é incrível. Mas com fineza e educação, parece ridículo. E é mesmo. Perde a sua essência.

Linguistas de todo o país (e provavelmente de todo o mundo) não sabem até hoje classificar o palavrão na gramática. Também acho isso ridículo. Parece óbvio que todos eles, independentemente de sua construção formal, são sinceras locuções adverbiais de intensidade. Não?

Ora, antes de mais nada, devemos concordar: soltar aquele palavrão é libertador. Dá aquela lavada na alma. Você pode estar feliz, muito feliz, feliz pra caramba. Ou então, muito chateado, com raiva, enfurecido. Tenha certeza: daí, cedo ou tarde, sairá um palavrão. Com sonoridade musical e tudo. Como um arroto moral, expirado a plenos pulmões recheados de emoção.

Mas vocês sabem o que é um porre? Forçar a barra, fazer um lobby aqui e ali, em prol de uma palavra tola, às vezes até discreta, para o seleto rol dos palavrões, em atenção “aos bons costumes”. Já mencionamos “arroto” (que alguns lunáticos tacham de palavrão). Outros clássicos exemplos são “escroto” e “cacete”, que obviamente não merecem a alcunha. Essas palavras estão ali, na delas, não fazem mal nem a um mosquito. Há tantas outras, de igual sentido, com maior intensidade. Mas tem gente que teima em superestimar essas leves e poéticas palavrinhas.

O que temos de lamentar é o vai e vem por causa da nova safra. São os palavrões mais jovens tomando o lugar daqueles que sempre nos serviram, na medida certa do colarinho. Agora “chupa” virou palavrão. Assim como “WTF” (what the fuck, melhor informando), que também (supostamente) galgou seu lugar ao sol no inferno das palavras, principalmente por conta da ira dos jovens rebeldes da internet, que amam demais e xingam demais, com palavrões (de raiz) de menos. Cadê a velha guarda dos palavrões, minha gente? Deve ter ido para aquele lugar onde só tem fezes. Que injustiça. Quero o meu “porra” de volta! 

Ah, o bom e velho “porra”. De tão usual para qualquer tipo de frase ou pessoa (quase todas as idades), em qualquer momento ou sensação, seja bom, ruim ou nada, tornou-se uma palavra comum. Caiu no ostracismo. Uma pena.

Possuo, de certa forma, uma história com o “porra”. Está na minha formação como pessoa. Uma vez, meu avô me repudiou, quando criança, por ter falado “porra”, sendo que eu tinha falado apenas seu apelido, o popular “po”. Foi um grande sermão: disse que no tempo dele era inaceitável falar isso em público, que eu era menino direito, educado, limpinho, cheirosinho etc etc etc.  Naquele dia, senti que “porra” era um palavrão de respeito. Isso nos velhos tempos. Hoje é o América dos palavrões. Grande América, diria meu avô, em homenagem ao tempo em que se amarrava cachorro com linguiça.

Falando em linguiça, agora imaginem vocês um diálogo de boteco. Interlocutores com seus chinelos de dedo, tomando aquela gelada e petiscando aqui e ali só para acompanhar. Seria algo mais ou menos por aí:

-- Porra, como é que o Robertinho casou e você não me contou? Você é um belo de um filho da puta!

-- Ah, vai à merda, vai. Problema é teu que não está nem aí pra porra nenhuma. Se fodeu. 

-- É problema meu mesmo, porra. Foda-se.

-- Corroda-se.

-- Nossa, maduro pra caralho.

-- Grosso também. O meu caralho.

-- Tomar no cu, porra.

-- Vou com a tua mãe.

-- Foda-se.

-- Corroda-se.

E assim a discussão iria até o sol raiar. Papo duradouro, cerveja ingerida aos montes, felicidade garantida pra todos pela posteridade (principalmente para o dono do bar). Nada mais simpático e divertido de se ler, não acham? Humanidade é isso aí: escrever como se fala. Falar como se sente. Se sentir como bem entender e que se dane o mundo.

Palavras de baixo calão (ridículo, ridículo!) fazem isso com a gente: dão atestado de liberdade. É como se estivesse escrito: “Fulano está apto a ser Fulano mesmo”. Então fale. Solte. Pule. Grite. Sussurre. Cutuque e mande na lata.

Mas o espaço é democrático. Nem todo mundo gosta dessa leveza toda (ou peso, dependendo do ponto de vista). Pode ser tudo muito chocante. “Essas palavras más! Para quê falar assim?”, pensam alguns muitos.

A rigidez, a beleza da norma culta e pura da língua, a boa educação dos bons samaritanos merecem nossa menção honrosa, claro. Não nos esqueçamos deles, então. Com toda a nossa simpatia e política da boa vizinhança no campo fértil dos argumentos, já traduzindo para a sua melhor compreensão, com carinho, mandamos a nossa mais singela homenagem: vão todos tomar em seus respectivos orifícios anais!

A mensagem é polida e sincera. Assim não corremos o risco de a hipocrisia se difundir, já que tomar no cu não reproduz a espécie.

Com ou sem porra.


terça-feira, 6 de novembro de 2012

Rabo de Cachorro

O ofício ostenta a alcunha alinhada. Alcunha atravessada. Azeda.

A arte esmaga. Aniquila. Achincalha. Aleijadas se expõem minhas sensações.
Suor. Raça. Amor. Raiva. Asco. Ódio.

Os seis sentidos (seis, sim) me extenuam. Miro o objetivo. Ou uma ajuda. Apelo. Onde ei-la?

As santidades se escondem. Mãos sóbrias somem momentaneamente, enquanto ouso. Ou uivo, ostentando otimismo.

Olhei. Imaginei. Inventei. Ilhei-me. E estou um mentecapto. Otimismo? Onde? Esquece. Elaborar rói. Irrita. Anoitece. Agracia. Abraça. Aquece. Ensina. Atreve. Erra. Acerta. Acolhe.

É estranho. Ou um mero ostracismo. Opaco. Ojeriza arregaçada. A acintosa animosidade esconde em minha aura a aversão.

Onde? Encolho-me em mares sensíveis. Sofro. Os sopros saem, mas só organizam minhas separações. Simplesmente.

Entretido, observei ideias sem sentido ornamentarem minha autoestima. Aqui, inexorável liberdade. Entoo.

Oh, hoje! Enfim moldei. Iluminei-me. Escutei ironicamente. Entendi inteiramente. Enumerar repetidas sentenças sacudiu um mal longínquo. Os sussurros sinalizaram minhas superações.

Sorveram muita autenticidade em minha alma.

Assim me envolvi.

Inescrupulosamente, escrevi.


P.S: pessoal, o texto acima tem uma peculiaridade que certamente passou despercebida. Para fins de exercício criativo, utilizei-me de um método que apelidei de "rabo de cachorro". Que método é esse? Simples. A última letra de cada palavra é a letra que inicia a seguinte. E assim veio o texto sobre justamente o ato de escrever. Podem voltar lá e conferir. É de graça.