quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Cor Preferida

Certa noite, Luisa e Fernando estavam na cama, deitados e desinteressados, assistindo à TV. Fernando então resolveu puxar assunto:

Fernando: Amor, sabe o que eu andei pensando outro dia?

Luisa: O quê, meu bem?

Fernando: Nós nunca conversamos muito sobre algumas coisas que a gente gosta, né?

Luisa: Tipo o quê? Você sabe que eu gosto de ir pra um cinema, pegar uma praia...

Fernando: Não, isso eu sei. Por exemplo, eu não sei qual é o seu prato favorito.

Luisa: Ah, eu adoro lula.

Fernando: Lula é bom mesmo. Se for empanadinha, então, uma beleza. E cor? Qual a sua cor preferida, linda? Conta pra mim.

Luisa: Azul. Amo azul.

Fernando: Sério? Por que azul?

Luisa: Não sei, porque acho que as roupas combinam com os meus olhos. Gosto desde pequena.

Fernando: Nossa, péssimo gosto.

Luisa: Por que péssimo? Me deixa com o meu azul. Eu, hein? E você, dono da verdade, gosta de qual?

Fernando: Vermelho. 

Luisa: Vermelho? Muito berrante. Cai bem não.

Fernando: Claro que cai, porra. Vermelho é amor! É alegria! É refrigerante, é lanche feliz! O meu vemelhão dá vida ao mundo! Não é que nem essas coisas azuis esnobes não. “Ah, prefiro azul, o céu ninguém alçança mesmo, foda-se todo mundo.”. Isso é coisa de gente nariz em pé.

Luisa: Esnobe? Eu? Sou tua mulher. Você me acha esnobe? E que papo de céu é esse?

Fernando: Esse teu azul entrega, né, amor? 

Luisa: Amor é o caralho! Pega esse teu vermelho e vai espalhar essa alegria aí lá fora que eu não sou tuas negas!

Fernando: Aí? Tá vendo? Quem gosta de azul que fala assim “tuas negas”, já começou a se revelar fascistinha.

Luisa:Você que é um babaca. Qual é o problema de gostar de azul? Se fosse verde não ia ter problema?

Fernando: Ia sim, tem que ter personalidade. Quem gosta de verde é quem não fode nem sai de cima. Pelo menos você se assume como metidinha gostando de azul.

Luisa: Azul é tão lindo que as melhores redes sociais são azuis.

Fernando: Tinder é vermelho.

Luisa: Você é doente, cara. É sério esse papo?

Fernando: Seríssimo. Pode gostar de azul, mas gosta calada.

Luisa: O que é isso agora? Ditadura? Isso é censura! Você me perguntou, e eu respondi.

Fernando: Perguntei mesmo, mas já me arrependi. Era melhor nem saber desse seu lado.

Luisa: Dane-se também, agora eu só vou usar roupa azul. Inclusive minhas calcinhas. Se não gostar, problema é seu. 

Fernando: Ih, não quero nem ver.

Luisa: Ah, é assim? Vou entrar agora aqui no Facebook e contar pra todo mundo que você não quer me comer porque eu estou de calcinha azul. E que você é um vagabundo, burro e preguiçoso. Eu sei jogar sujo também.

Fernando: Duvido. Nos oito anos em que estamos juntos, você nunca fez nada parecido.

Luisa: Duvida? Mas eu não duvido que você conheça o Tinder. Deixa eu pegar aqui seu celular pra ver.

Fernando: Calma, calma. Tá bom, amor. Vamos deixar isso pra lá. Se é azul ou vermelho, qual é a diferença, não é mesmo? Vem aqui pra pertinho, vem.

Luisa: Então chega desse papo de cor?

Fernando: Sim, chega. Agora a conjuntura é outra. Nada de cor. Só paz e amor.

Luisa: Então tá, esse assunto é um saco. Não gostei.

Fernando: Amor, só outra dúvida aqui.

Luisa: Fala, Fernando.

Fernando: Em quem você vai votar semana que vem?

Luisa: Vou votar nulo. Político é tudo igual mesmo. E você?

Fernando: É, eu também. E ainda tem gente que briga e desfaz amizade por isso! Vai entender...





domingo, 5 de janeiro de 2014

Ralação Conjugal

— Querido, assim não.

— Mas por que não?

— Não está encaixado direito.

— Para mim, está. É só forçar um pouco que vai.

— Tem que ser no jeito, não na força.

— No jeito, a gente não vai sair do lugar.

— Você não está vendo pela minha perspectiva.

— E precisa? Tá certinho, vai. Relaxa.

— Assim não vai rolar. Impressionante como você não me escuta.

—Por que não vai rolar? Está te doendo alguma coisa?

— Não, claro que não.

— Então pronto, fica quietinha. Deixa eu me concentrar aqui para fazer direito.

— Mas você já começou errado.

— Quer parar de encher o saco?

— Nossa, seu grosso. Não precisa mais não.

— Você acha que eu faço o trabalho pela metade? Não foi assim que meu pai me ensinou não.

— Então se vira aí sozinho, nem apoio moral eu vou te dar. Já até fiquei com dor de cabeça.

— Ótimo, não preciso de você mesmo.

— Como é que eu fui me casar com um ogro desses?!

— Olha só, eu to tentando fazer direito, vai continuar me amolando?

— Ainda está tentando? Nem reparei.

— Muito engraçadinha. Para o seu governo, saiba que agora tá indo, olha...

— Boa. Senti firmeza, querido. Se concentra.

— Tô me concentrando.

— Isso, vai!

— Tô indo!

— Vai, vai!

— Pronto, consegui!

—Maravilha! Obrigada, amor. Agora que você conseguiu abrir esse maldito vidro de palmito, me ajuda a descascar as batatas?