sexta-feira, 30 de março de 2012

Conto de F#~%das

Era uma vez um lugarzinho no meio do nada, com cheiro de mão molhada, numa terra em que tinha palmeiras e onde cantava o sabiá.

Aquele lugarzinho isolado, mas central, deveria ser o coração daquela terra, mas não era.

Deveria ser o orgulho do povo daquela terra, mas não era.

Na verdade, o povo daquela terra mal sabia o que acontecia direito naquele lugarzinho. Muita gente nem queria saber, afinal, numa terra em que tem palmeiras e onde canta o sabiá, o que mais há de se querer?

Aqueles que se importavam com o que acontecia no lugarzinho também pouco podiam fazer. Como mudar algo no meio do nada, dentro de uma imensidão sem fim de pessoas diferentes, climas diferentes, culturas diferentes e (falta de) interesses diferentes?

Ainda no lugarzinho, havia revelações de segredos imorais quase que diariamente. Segredos que, com o passe de mágica de uma bruxa muito malvada chamada Impunidade, sumiam com a mesma facilidade que apareciam. Era praticamente uma novela, mas muito mais desinteressante, é claro. Quem se importaria com as mãos molhadas daquela gente que deveria ser a nossa mão até onde não podemos alcançar o braço naquele lugarzinho no meio do nada? Se o polvo, que só tem 8 braços, não se importava, por qual motivo o povo, com seus 380 milhões de braços, um pão e um circo, deveria?

Era um lugarzinho quente e, ao mesmo tempo, frio. Seco, mas também muito molhado. Até demais. Distante da realidade, apesar de ter o papel de ser o timoneiro daquela terra.

Um timoneiro que só não a levou ao naufrágio, por ser uma terra cheia de contrastes, que aceitava bem o fato de o lugarzinho mais importante dela ser origem de suas maiores vergonhas. Mais um contraste. Mais uma mágica.

Uma terra feliz, com um povo que na realidade não tinha braços, mas era feliz, bonito e sorridente. Quanta contradição para uma terra só!

Mas, a maior contradição dessa terra, vejam só, era que, apesar de mais de 500 anos de história pra contar, seu povo não tinha memória suficiente para se lembrar. Mantinha o lugarzinho no meio do nada como sempre fora, com as mesmas mãos molhadas (encharcadas), com a mesma magia (ou seria bruxaria?).

Pra que mudar se era tão bom ficar ali naquela terra?

Ali, onde cantava o sabiá para lhe distrair e onde tinha as palmeiras para lhe alimentar. 

Por isso, naquele lugar, todos viviam felizes para sempre. Com muito esmero, no número zero.

FIM




                                           

sexta-feira, 23 de março de 2012

Arte

O que é arte? Você já tentou definir essa minúscula palavra alguma vez? Parece tão simples defini-la, de tão comum que é ouví-la, mas sempre fica faltando alguma coisa.

A verdade é que o termo “arte” tem sido usado não só para se referir aos seus significados mais tradicionais, mas também tem sido um comum elogio. Não é muito raro nos depararmos com frases do tipo “Dr Fulano é um artista”, se referindo a um dentista ou médico cirurgião, por exemplo. Mas cumprir bem a sua profissão é capaz de tornar alguém artista? E aquela pessoa que trabalha com a arte em si e cumpre bem o seu papel? É uma “artista artista”?

Uma das saídas é recorrer ao dicionário, bom e velho companheiro de aventuras e curiosidades. São algumas definições que apresentam diferenças bastante curiosas. O significado primeiro do Aurélio – século XXI é: “1. Capacidade que tem o ser humano de pôr em prática uma ideia, valendo-se da faculdade de dominar a matéria”. Boa definição, mas ainda superficial e abstrata demais. No Michaelis, temos: “1. Conjunto de regras para dizer ou fazer com acerto alguma coisa”. Definições completamente opostas e distantes, mas logo abaixo, no mesmo Michaelis, entre as nove opções, bastante sucintas, vemos algo mais próximo do que se tem como “arte” ao primeiro pensamento: “6. Dom, habilidade, jeito”. No Aurélio, ainda encontrei: “3. Atividade que supõe a criação de sensações ou de estados de espírito de caráter estético, carregados de vivência pessoal e profunda, podendo suscitar em outrem o desejo de prolongamento ou renovação” e “4. A capacidade criadora do artista de expressar ou transmitir tais sensações ou sentimentos”.

São muitas as possibilidades de definição do conceito, que só nos fazem perceber ainda mais o quanto é difícil refletir sobre a arte, mas só evidencia que, se é difícil conceituá-la, o que dirá daqueles que a produzem, que a criam do zero? No caso de atividades profissionais (como a do dentista e a do cirurgião citadas acima), por maior que tenha sido o prazer proporcionado a quem as fez, são tais atividades reflexos ou representações de sentimentos ou são simplesmente trabalhos feitos com técnica bem desenvolvida, longe de sensações pessoais?

Nesse sentido, para satisfazer esse impasse, uma das doze definições sem restrição prévia apresentadas no Aurélio parece sepultar de vez a questão: “2. A utilização de tal capacidade, com vistas a um resultado que pode ser obtido por meios diferentes”, ainda com exemplos como: “a arte da medicina” e “a arte de cozinhar”. E, para não ficar muito atrás, no Michaelis também tinha: “7. Ofício, profissão. 8. Maneira, modo”.

O mais importante, creio, na vida de um profissional, seja ele burocrático ou um artista nato, talentoso, é a possibilidade de se eternizar através da sua obra, do seu legado. Ouvir a voz de John Lennon, gravada há mais de 40 anos, num  iPod ou ler Machado de Assis num Kindle mostra o quanto é a importância do artista e de sua obra. Seu corpo se vai, mas a sua mensagem se eterniza através de gerações e gerações. A arte jamais será algo velho, ultrapassado. Isso é o que chamamos de legado. Ser artista é criar, literalmente, a sua forma de eternizar na cabeça das pessoas, pelo seu talento, seu dom e, é claro, sua capacidade de execução das ideias. É atemporal.

A conclusão nos parece clara: não há conclusão definitiva. Não existe apenas uma definição para “arte”, e também não há uma principal ou mais comum, como ocorre com outros termos, já que essa palavra é usada freqüentemente nos seus diversos significados. Diferenças conceituais à parte, o que importa, no fim das contas, é apreciar uma boa arte e reconhecer a sua própria, de modo a usufruí-la e oferecê-la ao mundo da melhor maneira possível. Crie seu legado, e sua vida não terá sido em vão.


Obs: esse blog presta as justas homenagens a um dos maiores artistas que o Brasil já viu: Chico Anysio, que faleceu hoje aos 80 anos. Artista dos mais talentosos e versáteis, deixa como herança para a eternidade seus 209 personagens criados. Sua vida, é claro, não foi em vão.


Ilustração: http://cabiludo.blogspot.com.br

terça-feira, 20 de março de 2012

64

“I could be handy, mending a fuse                    (Eu posso ser útil, consertando um fusível)
When your lights have gone.                                
(Quando suas luzes apagarem.)
You can knit a sweater by the fireside         (Você poderia me tricotar um suéter perto da lareira)
Sunday mornings go for a ride,                  (Nas manhãs de domingo iremos dar uma volta),
Doing the garden, digging the weeds,
          (Fazendo o jardim, cavando a erva daninha)
Who could ask for more?”                                          (
Quem poderia pedir por mais?)

(trecho da música "When I'm Sixty-Four" - Beatles)

 
O post de hoje tem inspiração beatlemaníaca. Aliás, a música acima é bem diferente do repertório dos meninos de Liverpool, em geral. É uma música, acima de tudo, suave e fofa. Se você ainda não teve o prazer de escutá-la, recomendo que faça isso o quanto antes. É bela e reflexiva. Afinal, nós queremos envelhecer e nos ver idosos? Ou melhor, estamos preparados para isso?

O trecho da canção “When I’m Sixty-Four” que extraí reflete bem a visão de uma geração que atualmente já tem a faixa etária projetada. A música, por exemplo, foi lançada em 1967, quando seu compositor, Paul McCartney, tinha lá seus 25 anos de vida (aliás, especula-se que ele a compôs quando tinha apenas 16 anos). Não é preciso fritar os miolos para perceber que a projeção de Paul não se realizou nem minimamente em relação a ele próprio, não é mesmo? Afinal, mesmo já na casa dos 70 anos de vida (muito bem vividos, diga-se), Sir McCartney está longe de ficar cuidando de jardins. O povo agradece.

O foco a instigar o texto, no entanto, não é exatamente o que fez ou deixa de fazer o ex-beatle, nem os (falhos) exercícios de vidência dele. A reflexão gerada é tentar fazer o mesmo que Paul. O que estaremos fazendo aos 64 anos? A versão da música é romantizada, é claro. Lá não se fala em joelhos doídos, em planos de saúde com tarifas de perder a saúde, nas dificuldades para pegar um ônibus nem mesmo na escassez de respeito por boa parte das pessoas mais jovens. Seria, então, a canção uma espécie de “Meia-Noite em Paris” às avessas? Não por coincidência, ao ouvir a música pela primeira vez, logo me veio a ideia de estar diante da trilha sonora de um filme de Woody Allen. Típico. Será que essas obras não querem nos alertar? No lugar de celebrar e valorizar cada vez mais o passado, não deveríamos sonhar com o futuro e, nele, festejar as pequenas felicidades cotidianas de quem, após anos e anos, tanto já viveu?

De mais a mais, não podemos nos esquecer de algo importantíssimo: viver o presente. Sem ele não há futuro, não há passado, não há nada. Independentemente da idade que você, leitor, tenha, só pelo simples fato de estar visitando e lendo um blog, na internet, significa que é jovem. Não, não sou preconceituoso. Não é nada disso. Você pode ter 64 anos. Se estiver navegando e fuxicando blogs alheios, pode ter certeza de que a sua capacidade de adaptação é enorme, portanto ainda é um garotão flexível e disposto a novos rumos. Mas jamais esqueça da sua essência com a honrada marca da maturidade.

Ainda que seja esperado que as próximas gerações de idosos que vêm por aí não cultivem hábitos tão simples como os descritos na música, sinceramente, que pessoa pode condenar alguém que almeja uma terceira idade assim tão pacata? Querer para si que seus segundos valham à pena, que o tempo contrarie Cazuza e pare para afazeres tão banais e, ainda assim, tão relevantes não pode soar como sinal de velhice tola e vazia. Talvez seja a busca pela paz de espírito (acho que não tenho cabedal prático ainda para saber). É possível que seja a esperada paz interior num contexto de tantos anos. A valorização do segundo a mais de vida que aquela pessoinha tão vivida acabou de ganhar. De uma vida que agora passa devagar, devagarinho, e que precisa, mais do que nunca, da compreensão e da paciência do resto do mundo para seguir em frente. Quem sabe aos 64 venhamos a descobrir que isso, na verdade, é fazer a vida valer à pena? 

Quem poderia pedir por mais?


                                                       Foto: www.monitorando.org

segunda-feira, 12 de março de 2012

Crize



Vejam a imagem acima. Vejam de novo. Ou melhor, leiam. Algo de estranho? Não percebeu nada? Então esse texto é para você. Perca alguns minutinhos da sua vida, leia isso aqui e reflita. Caso já tenha percebido o que há de errado com a ilustração em menos de três tentativas, então não deixe de ler o texto também. Possivelmente você vai concordar comigo.

Não é de hoje que vemos no Brasil uma falta de atenção à educação. Principalmente à educação mais básica. Mas, mazelas sociais à parte, o foco desse texto é outro. Não vamos entrar no mérito político, tampouco criticaremos aquelas pessoas que não têm a menor condição de escrever corretamente por falta de oportunidades na vida. O foco é chamar a atenção para aquelas pessoas que estudaram em boas escolas, tiveram boa formação e, muitas delas, mesmo munidas de um diploma de nível superior, não conseguem escrever uma frase sequer sem erro ortográfico por pura preguiça de aprender.

Confesso que sou uma pessoa mais chata do que a média quando o assunto é escrever corretamente, seguindo os padrões da língua portuguesa. Só que, com o tempo, fui amadurescendo e venho me convencendo de que preciso ser mais tolerante com erros, mesmo porque também estou submetido a cometê-los. Alguns sequer são considerados erros hoje em dia. Tudo bem. Às vezes é algo de digitação, falta de revisão em virtude da preça ou até mesmo um equívoco difícil de fato. Sem problemas. O que não pode acontecer, a meu ver, é haver erros grosseiros, daqueles de doer o estômago, de maneira recorrente, por parte de pessoas que têm como melhorar isso.

É bem verdade que há quem diga que uma imajem vale mais do que mil palavras e, portanto, o valor dessas últimas é minimizado. Discordo. Está cada vez mais claro que vivemos a era da internet, na sua forma mais pulsante. A informação está a pleno vapor, e as palavras se fazem muito mais presentes no cotidiano do que há algumas décadas. As redes sociais têm sido cada vez mais utilizadas, o que aumenta ainda mais a importância de se escrever basicamente o certo. Infelizmente não é o que se vê por aí. Mesmo com o “pai dos burros do século XXI”, o nosso querido Google, a galera continua a escrever bem mais à torto do que à direito. Será que “a inteligência ficou cega de tanta informação”?

No caso da foto, beira o absurdo. É uma propaganda na contracapa da Revista de domingo, do jornal “O Globo”, de enorme circulassão no país. Como mensurar as consequências de um erro ortográfico desses? Você pode procurar as mais variadas justificativas, mais não há como explicar. Tantas pessoas envolvidas na propaganda e ninguém percebeu? Além de ter sido o estopim para eu escrever sobre o assunto, foi o sintoma mais claro de que a nossa ortografia está agonizando. Um erro crasso, num espaço tão visado e importante, só exprime aquilo que eu, você e todo mundo têm visto todos os dias nas redes sociais: falta escrita ao brasileiro porque lhe falta a vontade do bom hábito da leitura.

Vemos toda semana reportagens sobre as benesses dos exercícios físicos para a saúde, os segredos para a longevidade, mas não tocamos num ponto central: o exercício do cérebro. É saudável demais ler, portanto deve ser sim estimulado, tanto quanto fazer uma dieta balanceada ou então correr diariamente. Como já disse anteriormente, quem não teve oportunidades não é o foco desse texto. Jamais será. Estou falando daquele pessoal que vive a escrever pelos Facebook’s e Twitter’s por aí afora, causando poluição visual aos demais usuários. Pessoas que, por motivos inexplicáveis, não fazem a menor questão de escrever corretamente, na sua forma mais primária. Não fazem sequer questão de aprender, já que são recorrentes nessa “arte”. Esse é o pior grau. É aquele que tem como melhorar, mas não o faz e acha que está tudo muito bem, desde que tenha 950 mil amigos por lá, curtindo suas 400 fotos em frente ao espelho. 

Num momento em que a comunicação se dá primordialmente pela escrita, escrever corretamente pode ser o fator diferencial. É o seu cartão de visitas, que poderá abrir muitas portas. Só não encherga, ou melhor, só não lê quem não quer.



Observação: antes que achem que eu enlouqueci, trago aqui a resposta do nosso subliminar “Jogo dos 7 Erros”: crize - amadurescendo - preça - imajem - circulassão - mais - encherga.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Singela Homenagem

Eu sei que esse blog ainda caminha humildemente pelos seus primeiros passos. Porém, não é porque entrou no ônibus agora que não podemos sentar na janela, certo? Pois bem, vamos aproveitar a data para, junto ao senso comum, fazer nossa merecida homenagem.
Sou adepto da ideia de que todo dia é dia da mulher, assim como também é dia das mães. Cá entre nós, vocês, mulheres, são a força-motora do mundo. Quando não são vocês mesmas que estão operando a máquina chamada “Planeta Terra”, ainda assim, são a verdadeira razão para que, nós, homens, continuemos a nossa batalha. A data de hoje é internacional. Mundial. Global. É o reconhecimento à força e à importância daquela que, dizem à boca pequena, teve origem após o rascunho que foi Adão.

Hoje não é dia de crônica. É dia de celebração e de homenagem àquelas que são, na essência, nossa real razão de viver.

Deixo registrado nesse espaço, no dia de hoje, meus parabéns pelo dia Internacional da Mulher e, mais do que tudo, meu muito obrigado por existirem.

Por fim, trago aqui um trecho de uma música mais do que conhecida, mas que traduz bem o que nós pensamos sobre vocês e reflete tudo que escrevi acima. Parabéns!

“Garotos não resistem
Aos seus mistérios
Garotos nunca dizem não
Garotos como eu
Sempre tão espertos
Perto de uma mulher
São só garotos”






terça-feira, 6 de março de 2012

O Terno e o Preconceito

Preconceito é o tema da moda. Por onde quer que andemos a nos aventurar na obtenção de informações cotidianas, seja em jornais, revistas, televisão ou internet, pode ter certeza de que o assunto sempre estará em vigor. Com a propagação em massa de tudo atualmente, por milhares de vezes ao dia, em milésimos de segundo, a conclusão lógica é que essa abordagem caiu na mesmice do “lugar comum”.

Por isso, peço muita calma nessa hora ao amigo leitor. Não desista de ler esse texto achando que se trata de mais uma daquelas maçantes e entediantes dissertações antropológicas sobre a origem, os males e a consequência dos estereótipos, como se fosse mais um Globo Repórter a respeito. Não, não é.

O fato é que recentemente me peguei numa situação, no mínimo, curiosa, pra não dizer alarmante, do ponto de vista prático. Resolvi compartilhar nesse espaço de estreia com vocês.

Como está descrito no meu perfil, sou advogado, portanto, nas Condições Normais de Temperatura e Pressão, eu uso terno e gravata para trabalhar. Até aí, tudo bem. Fora o fato de que, durante o verão, isso se torna uma razão imensa para odiar o calor e se arrepender de ter nascido (brincadeirinha, mãe!), sem problemas.

Ocorre que, como a maioria dos seres humanos, volta e meia preciso ir ao banco. Bom, o que lé tem a ver com cré? Calma, leitor! Chegarei lá. Bom, a questão é que duas situações completamente irrelevantes na vida de qualquer pessoa (inclusive na minha) e, aparentemente, totalmente indiferentes entre si me fizeram ter a ideia de fazer um teste e, assim, abrir os olhos para questões práticas, inseridas na nossa sociedade, mesmo sem que percebamos de cara.

O que fez esse mero escriba? Passou a notar quantas vezes, num espaço de duas semanas, seria barrado pela porta-giratória de diferentes bancos, quando estava trajado de terno e gravata. Fui de curioso mesmo. Aliás, curioso é o resultado. Pois bem, em 4 ocasiões fui barrado nada mais nada menos que NENHUMA vez. Com o detalhe: em todas elas eu estava munido de dois celulares e um molho de chaves, tudo mantido dentro do paletó. Sorte a deles que não faço ideia de como se maneja uma arma.

Me empolguei nessa leiga (porém divertida) análise sociológica e resolvi mudar meu parâmetro. Um belo dia fui trabalhar casualmente. Apenas de calça jeans e camisa social. Na primeira oportunidade que surgiu, fui ao banco para ver o que aconteceria. Bingo! Fui barrado, é claro. Após tirar um dos celulares e as chaves, finalmente consegui adentrar ao recinto.

Não fiz mais testes desde então, mas comecei a refletir e a perceber com maior profundidade. De fato, sou olhado de forma diferente pela sociedade quando estou de terno. É fato consumado que, por exemplo, sou melhor atendido em restaurantes se eu estiver vestido dessa forma. É uma modalidade pouco explorada do preconceito: o preconceito bom. Não que seja legal ter preconceito, de forma alguma. Porém, não deixa de ser interessante pensar (e vivenciar) de modo que pelo simples ato de me vestir de maneira formal já me torna automaticamente confiável (no caso do banco) e importante (no caso dos restaurantes e nos milhares de “doutor” que ouço ao longo do dia, mesmo não tendo qualquer doutorado). Apesar de ser algo bom, particularmente gostaria de ser bem tratado independentemente da minha aparência, logo, não fico muito confortável com essa disparidade de tratamento.

É um caso a se pensar. O gordo não teria relevância perto do magro. O alto e o baixo também se relativizam entre si. Com o bom e o mau não poderia ser diferente. O problema é que, se o preconceito bom está enraizado no nosso cotidiano, mesmo com condutas simples, o mau também está lá. Inevitável e perigoso. Como controlar isso, nas duas extremidades, é o desafio de cada um de nós. Isso se a pessoa quiser controlar, é claro. Porque de gente com ego inflado ou com a maldade no coração o mundo está cheio. Sem preconceito. Com ou sem terno.



Ilustração: http://thiagomendanha.blogspot.com