terça-feira, 21 de agosto de 2012

Puro Reflexo


-- Nossa, como sou bonito.

-- O que você está falando? De onde tirou isso?

-- Não está vendo?

-- Não.

-- Olha direito. Viu?

-- Ainda não. Você está nu.

-- E daí? Nunca me viu assim?

-- Já, claro.

-- Então.

-- Então o quê?

-- Como não me acha bonito mesmo me vendo nu?

-- Você não sabe mesmo?

-- Não.

-- Deixa pra lá.

-- Agora eu quero saber.

-- Já disse para deixar pra lá.

-- Tudo bem. O que mais você não vê em mim?

-- Depende.

-- Depende?

-- É, depende. O que você vê em si?

-- Perguntei primeiro.

-- E eu respondi “depende”. Sua vez.

-- Você é insuportável. Está bem. Eu vejo em mim um grande sujeito.

-- Grande como? Com 1,70 m? Que piada. Você não vê seu umbigo, pelo visto.

-- Sou grande sim. De coração. De inteligência. De humildade.

-- Por quê?

-- Porque sim.

-- Grande de coração, pequeno de respostas.

-- Você me conhece. Tenho um grande coração.

-- Eu te conheço? Não sei disso não.

-- Sabe não?

-- Não.

-- Por quê?

-- Porque não.

-- Adoro suas respostas. Muito claras.

-- Iguais às suas.

-- Que perda de tempo.

-- Também acho.

-- Então você se acha superior a mim?

-- Depende. Você se acha?

-- Não sei. Não te conheço muito bem.

-- Não? Deveria. Já se olhou no espelho?

-- É exatamente o que estou fazendo agora.

-- Nossa, como sou bonito.


domingo, 12 de agosto de 2012

Crer sem Ver


Parecia ser uma noite qualquer, e de fato era.

Às 20:50 h, ao final do "Jornal da Nação", o âncora informou, surpreendendo:

 O "Jornal da Nação" fica por aqui, terminando um pouco mais cedo, para o pronunciamento do Ministro das Comunicações. Voltamos amanhã com as principais notícias no Brasil e no mundo. Boa noite.


Na sequência, de imediato, se viu nos aparelhos de televisão de todo o país:

"Pronunciamento Oficial do Excelentíssimo Senhor Ministro das Comunicações:

Boa noite, meus amigos e minhas amigas.

É com muito pesar que venho fazer esse comunicado. Uma grave crise vem se alastrando cada vez mais no nosso cotidiano.

Estou em permanente lamento diante dos últimos fatos ocorridos na maior rede internacional de comunicação, a chamada 'internet'. Todos vocês devem estar acompanhando os fatos.

Infelizmente, na posição que ocupo, me sinto decepcionado, frustrado e, claro, responsável pelo que temos visto todos os dias nas redes sociais.

É meu dever alertar para as fraudes e quantidade de informações falsas que são proliferadas todos os dias na grande rede. 

Nem tudo escrito por lá é verdade: A Lei do Ficha Limpa já foi aprovada e está valendo nessas eleições. O estado do Rio de Janeiro não paga IPVA para si mesmo. Senhas invertidas do banco não acionam a Polícia Federal. Compartilhar fotos surreais com olhos esbugalhados, cérebros saltados e sangue para todo lado não vai proporcionar nenhuma doação de quem quer que seja.

Por esse motivo, me vejo na obrigação de informar aos senhores cidadãos que já está disponível um importante mecanismo de pesquisa e informação inteiramente grátis chamado 'Google', numa parceria público-privada inédita para trazer informação e cultura a todos. Para acessá-lo, basta digitar (anotem aí) 'www.google.com.br' ou então digitar 'Google' no Google. Como queiram.

Não prolongarei muito mais o assunto porque a novela já vai começar. 

Nesse final, me aterei apenas a uma pergunta, para que os senhores aí em suas casas reflitam: como é o nome daquele produto que purifica a sua água para torná-la potável?

Pois bem, sei que os senhores não acreditam em nós, políticos, de imediato. Tenham o mesmo procedimento na 'internet'. Filtrem. Não se sabe quem está do outro lado. Hoje em dia está bem mais fácil se informar. E mais fácil ainda de se deixar enganar. 

A apuração é um dever de todos. A boa informação, um direito. Não desperdicem.

Muito obrigado."

E assim se despediu o eminente Ministro. 

Só não acreditem que isso de fato ocorreu.

Mas bem que poderia.








terça-feira, 7 de agosto de 2012

Tocha no Peito


Aquilo ali era uma paixão na vida dele. O rapaz sabia disso. Não há nada mais hipnotizante e belo do que uma disputa esportiva leal e equilibrada em alto nível. Esporte é pura técnica. Pura emoção, no limite da alma. Alma vencedora, de quem, naquele instante, assiste à competição mais importante de todas: as Olimpíadas.

Um amante incondicional de esportes, aqueles 15 dias eram um sonho para o rapaz. Esporte, esporte, esporte. De dia, de manhã, de noite. Que doces momentos lhe proporcionavam. Que perturbadores momentos. O céu e o inferno, em milésimos de segundo. Fascinante. Mortal. Uma coerência das mais incoerentes. Das mais apaixonantes. Das mais incendiárias.

A disputa, em si, o jogo jogado, era puro entretenimento, na sua visão. Diversão mesmo. Mas, então, o que tornava aquilo tudo tão intenso? Qual era a linha a ser atravessada entre a diversão pura e simples para um momento de puro sentimento? O que fazia com que a chama do esporte se acendesse de maneira tão feroz em seu coração? Ele sempre se perguntou, sem saber ao certo a resposta.

Suar frio, ferver o sangue nas veias e berrar. Isso nós chamamos de torcer. Ele também chamava. E começou a entender mais ainda o que era isso naquele dia, que parecia como outro qualquer. Mas não era. A tocha estava acesa.

Parou para torcer. No meio da rua mesmo, numa televisão ao longe de um bar de calçada. As meninas do vôlei estavam jogando. Ali ficou. Não se arrependeu. Nem ele nem a multidão de pessoas que se juntaram numa só vibração. Uma energia. Estava focado e concentrado. Todos estavam. Era o espírito olímpico emanando? Provavelmente. Aquela não era hora para pensar. Era hora de jogar junto. Transpirar junto.

O alívio e, depois, o êxtase enfim chegaram. Após uma disputa palmo a palmo, insana e lindíssima, decidida no detalhe do filete, a felicidade tomou lugar da tensão. Explosão de orgulho por todos os lados. O tremor das mãos se transformou imediatamente em vontade de ir ao banheiro, para despejar todo aquele líquido absorvido após tanta intensidade.

Isso é torcer, agora ele tinha certeza, mais do que nunca. Estava desvendado. Era se encontrar num estado diferente. Metafísico. Fisicamente desgastante, psicologicamente revigorante. Ah, a coerente incoerência do esporte...

Claro que nem tudo é perfeito. Vendo a alegria alheia de uma vontade comum, um senhor, do alto da sua sabedoria, pergunta: “estão comemorando por que, se não vão ganhar nada com isso?!”. Coitado. Não energizou nem uma centelha de faísca. Nada. Não desfrutou do manjar que os deuses do Olimpo desceram para oferecer.

Que dó.

Mal sabia aquele senhor que o nosso rapaz acabara de ganhar o mundo.

E o mundo acabara de ganhar um espetáculo para sempre em sua memória.