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Bom dia, senhorita.
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Hãn?! Bom dia.
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Por que tanta surpresa e secura ao me responder, adorável criatura?
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Só respondi “bom dia”, sei lá. Estamos no metrô. O que queria mais?
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Um sorriso, talvez. Um desabrochar de sua face para esse belo dia que está
começando. Ou, na melhor das hipóteses, para mim. Seria um privilégio, devo
confessar.
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Nossa, você tem muito bom humor de manhã.
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Não é questão de humor. É questão de sobrevivência. Amo a vida. Não sobrevivo
sem ela. Sem amá-la. Sem sorrir para ela. Devia experimentar.
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Tudo bem. Se você assim diz, então não vou discordar. Estou com sono.
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Discorde, senhorita. Sua beleza certamente vai além do rosto de perfeita
simetria. Tenho convicção de que se trata de uma brilhante dama.
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Você está dando em cima de mim ou o quê?
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Imagine só! Isso não são modos para um cavalheiro como eu.
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Pensei. Tive essa impressão. Que absurdo ter imaginado algo do tipo.
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Ora, mas a senhorita é muito objetiva. Muito direta, mas também irônica. Gosto
disso. Dois pontos são ligados por uma reta. A senhorita vai direto ao ponto.
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Viu só?! Está dando em cima de mim sim.
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Apenas constatei, minha cara. Entre o branco e o preto há milhares de tons.
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Às vezes não entendo nada do que você me fala. Parece estar viajando.
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Claro que estou. A vida é uma longa viagem. Não acha?
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Não sei. Nunca parei para pensar nisso.
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Pois então pense. Divague. Voe. As portas irão se abrir. Principalmente as
portas do seu coração e da sua mente. Mas acho que a senhorita já viajou sim.
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Que conversa mais profunda para uma hora dessas. Por que você não lê um jornal ao
invés de ficar aqui sonhando acordado?
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Por quê? Simples, minha querida nova amiga. Porque sonhar é enxergar um mundo
muito mais doce, de grandes oportunidades. A pergunta é outra: por que não
sonhar?
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Bem, vou pensar mais tarde no que está falando, mas acho que não concordo
muito. Isso não é pra mim. Sou realista demais. Gosto de fatos, não sonhos.
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Claro que concorda. Só não vê da forma como eu enxergo. O fim é o mesmo. Vejamos:
todo dia a senhorita acorda pensando num propósito. Sai de sua casa cheia de
planos, mas sabe que o imponderável às vezes atua. E principalmente: sabe que o
que te move é a vontade de sempre melhorar, evoluir.
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Nunca tinha parado para pensar dessa forma. Acho que tem razão. Sou assim mesmo.
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Não falei? Viajar é preciso. Os longos voos nos fazem pousar numa pista
concreta de criatividade, de vida, de felicidade.
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Imagino que sim. Bem, chegou na minha estação. Tome meu telefone. Me ligue quando puder.
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Obrigado, senhorita. Adoraria prolongar nossa conversa numa outra ocasião. A propósito, qual o seu nome?
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Ah, é claro! Nem nos apresentamos. Meu nome é Prosa.
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Muito prazer. Me chamo Verso.
E assim, daquele dia em
diante, tudo ficou muito claro. Os dois, apesar das diferenças, jamais andariam
separados. Se tornaram grandes companheiros, enamorados, e é certo que viverão lado a lado
até o fim de nossos dias.
Porque, no dia em que não
mais existirem, acabará o sentido da vida de todos nós.
Ilustração: http://desenhoscomgosto.blogspot.com.br