quinta-feira, 28 de junho de 2012

Quem Nunca?

Ele estava ali, sozinho naquele ônibus, já tarde da noite, rumo ao mais doce dos destinos: sua casa. Cansado do dia inteiro de trabalho, não estava exatamente com sono, por isso começou a divagar, até que lhe veio um estalo.

A partir dali, surgiu uma sensação difícil de explicar, impossível de se descrever em detalhes, mas que todos certamente um dia já vivenciaram. Um sufoco geral, com requintes de crueldade e angústia, lhe tomava de tal forma que não via escapatória, a não ser esperar pela dor iminente.

Naquele ímpeto característico dos momentos de adrenalina, ele, quase que de forma delirante, ligou para a sua noiva. Queria uma palavra amiga. Um conforto. Um colo para se consolar.

Não foi muito feliz na sua empreitada, é verdade. Sua noiva estava em um momento mais angustiante ainda. A novela estava trágica, e suas lágrimas atravessavam o fone do aparelho celular. Tempo perdido. Sufoco mantido. Aumentado. Dilatado, em graus exponenciais. Ele tinha que soltar aquilo tudo para fora o quanto antes.

Resolveu, então, ouvir música. Colocou no shuffle de seu iPod e deixou o destino ser o seu DJ. Triste opção. As canções “escolhidas” não ajudaram em nada. Primeiro veio “Aerials”, do System of a Down. A música até era boa, mas, quando começou, com “Life is a waterfall...”, foi obrigado a mudar, por razões óbvias (para ele). Em seguida, bem eclético, surgiu um animado Jorge Aragão entoando “Encontro das Águas”. Não era possível. O shuffle não estava ajudando em nada também. Decidiu desligar.

Naquele instante se encontrava, de fato, sem saída. Telefonou mais uma vez para a sua noiva, na ansiedade de que, àquela altura, já sem a concorrência da novela, fosse mais fácil exprimir seu martírio. O diálogo que se segue foi mais ou menos assim:

- Oi, amor. Sou eu de novo. Terminou de ver o “oi oi oi”?

- Já acabou sim. Foi tão lindo!

- Que bom. Preciso urgentemente falar contigo. Estou em apuros.

- Pois então fale, ué. O que é que está havendo?

- É que venho prendendo algo dentro de mim há algum tempo e não sei o que fazer. Me dá uma ideia?

- Desembucha, homem!

- Ai, não sei. Ainda tenho um caminho tão longo a percorrer. Minhas opções são mínimas. Acho que não vai adiantar eu falar contigo agora.

- Se você não disser o que é, aí sim não terei como te ajudar.

- Tudo bem, tudo bem. Meu desespero é que estou morrendo de vontade de dar aquela mijada, mas ainda falta muito para eu chegar. O que você faria na minha situação?

Do outro lado da linha não se ouvia mais qualquer voz. Apenas ruídos. Ruídos de uma gargalhada sem fim. Ótima ajuda a dela. Desligou sem falar mais nada.

Ao chegar, já explodindo por dentro, liberou tudo que tinha para liberar no primeiro vaso que encontrou. Alívio sem fim. Sensação indescritível, não é mesmo?

Que drama viveu nosso protagonista.



domingo, 24 de junho de 2012

Irmãs de Sangue


Relações entre irmãs sempre foram difíceis e imprevisíveis. Com aquelas duas não era diferente. É assim até hoje, aliás, mesmo depois de tanto tempo. Não há um meio que oriente as duas para uma solução.

Desde sempre, Isabel e Paulina viviam em pé de guerra. Qualquer faísca de discordância gerava um conflito de proporções inestimáveis. Tudo era motivo para disputa, ainda mais porque dividiam o mesmo quarto. Suas diferenças eram muito evidentes.

Isabel era mais velha, pouca diferença, e tinha a cabeça feita. Desde o início era apegada aos seus princípios e valores. Estudiosa, era xodó do seu tio Américo, rico empresário, de caráter duvidoso e postura assoberbada. Isabel, apesar de toda a sua natureza estudiosa, possuía também alguns lampejos de mania de grandeza. Em certos momentos, lhe faltava humildade. Porém, acima de tudo, se mostrou, ao longo do tempo, ser uma pessoa aberta ao diálogo, com capacidade de ouvir as pessoas e de decidir o que era melhor para si com base na opinião de quem se importava de fato com a sua vida. Aos 64 anos, hoje Isabel é muito bem-sucedida. Uma mulher da ciência, que gerou inúmeros avanços para a humanidade e também muita inveja do resto do mundo. Contradição inexplicável. 

Paulina, em contrapartida, se via como uma vítima de injustiças, mas nunca parou para focar no que realmente lhe pudesse fazer a diferença na vida. Mesmo porque, sua mãe, Proença, lhe defendia e lhe mimava. Paulina nunca fazia nada de errado, segundo a mãe. Sempre a pobre coitada tinha razão. A preferência era clara. A verdade é que ela, Paulina, não queria saber de evoluir, estudar, e se dedicava principalmente a exaltar os defeitos de Isabel. Bateu o tempo inteiro na mesma tecla, com o apoio da mãe, mas não saiu do lugar. Ou melhor, saiu sim, para pior. Hoje, Paulina é mulher do tráfico. Aliou-se aos principais homens do meio e, mesmo sem técnica e prática apuradas, maneja uma arma para cima e para baixo. Sonha em um dia enfim matar Isabel, sua grande algoz. Mesmo por isso, não se sabe qual a sua idade atual. Falta-lhe identidade. Falta-lhe foco. Quem é a verdadeira Paulina? Ninguém sabe, ao certo.

Essa breve estória, uma metáfora, na realidade faz parte da História há milênios. Desde Isaac e Ismael, irmãos de sangue, que brigam pelo direito concedido por seu verdadeiro pai, Deus (Hashem ou Alá, como queiram). Os anos se passaram aos montes, mas o conflito continua sem que nenhuma luz apareça. Agora, Isabel e Paulina, ou melhor, Israel e Palestina trataram de herdar o que veio lá de trás para brigar até os dias de hoje.

No final das contas, essa foi, é e para sempre será uma história triste. Triste porque parece não ter fim. Porque o futuro já é passado. E o presente só vem embrulhado com uma bomba dentro.







quarta-feira, 20 de junho de 2012

Ficção Científica

Era a grande notícia do dia no país. 

Estavam todos em polvorosa com a contratação. Ele vinha de fora, após anos vivendo na Europa. Baita reforço para o Brasil. Com certeza, viria para somar muito e trazer muitas alegrias a todos. Ele era o cara para fazer todo mundo sonhar acordado.

As condições que fizeram com que retornasse não estavam muito claras. Sabia-se que seu salário seria altíssimo, na casa dos milhões ao mês. Certamente, um investimento que valia à pena. Era uma grande tacada de marketing, no fim das contas. As crianças se espelhariam no ídolo. Imitariam o ídolo. Um exemplo para a nação. Uma nação que teria, finalmente, motivos para se orgulhar.

Vitória. Essa era a palavra mais difundida nos jornais e mídias brasileiros naquele dia. Era tudo uma grande novidade. Há tempos não se via um repatriamento de tanto impacto. Será que finalmente o país deixaria para trás o "espírito de vira-latas" que tanto lhe acometia? O retorno dele era um alerta para o povo. Sim, o Brasil pode. Passou a poder.

Os patrocinadores não ficavam atrás. Trouxeram esse grande reforço sabendo que seria uma bola dentro. Era um ícone, afinal. O alvo mais cobiçado, a curto prazo, certamente, eram as Olimpíadas. Que sonho ver o Brasil campeão. Seria inédito!

E foi assim, em meio a todo esse estardalhaço, que o mestre PhD Antonio Luiz dos Santos Serafim, professor de Matemática, brasileiro, formado em Oxford, foi anunciado naquele dia como o novo professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bela contratação.

As Olimpíadas Mundiais de Matemática agora estavam no papo.


domingo, 17 de junho de 2012

Santo Remédio dos Diabos

Eu estava louco para me curar. Não suportava mais tudo que me acometia. Era uma dor intensa, e você não estava comigo mais para me ajudar. Aliás, você fazia parte da doença. Tinha certeza disso.

Fui ao clínico geral. Relutei pra ir, é verdade, mas fui. Não adiantou muito. Ele falou com toda propriedade de doutor que meu problema era “estresse por conta do trabalho”. Não quis acabar com a “certeza infalível” dele para lhe dizer que sou aposentado. Muito bem aposentado, a propósito. E, mesmo assim, você não me quis mais.

Já que no clínico geral de nada adiantou, busquei uma solução um pouco mais radical. Procurei um novo médico. Não um qualquer, mas um especialista na doença de que eu tinha certeza estar sofrendo. Fui atrás de um psiquiatra. Precisava de um remédio, isso sim. Algo que forçasse meu organismo a funcionar direito novamente.

Desde que você me deixou, Dorinha, minha vida nunca mais foi a mesma. Me lembro como se fosse ontem. O dia derradeiro, que nunca poderia ter existido. Mas existiu e permaneceu grudado na minha memória como nunca. Como nunca, precisava de um remédio. Estava lá, me preparando para dormir, quando você saiu da cama como se de um rio, pronta para ser levada a novos horizontes de oportunidades. Sua prontidão me afogou de imediato e agora me vejo nesse estado. Jamais me recuperei do baque. Como medicar isso?

A ida ao psiquiatra foi muito produtiva, no fim das contas. Ele me receitou um remédio dos bons. Disse que eu deveria sorver doses diárias e moderadas dele. Caso viesse a me exceder, ensinou, poderia até me ferir e me descontrolar até sair de mim. Deve ser porreta o danado!  Peguei a receita e saí radiante do consultório, esperançoso de que dias melhoras viriam.

Engano meu. O tal do remédio não tinha em lugar nenhum. Rodei a cidade, procurei em tudo o que é farmácia, até no camelô eu fui atrás. Na internet também não encontrei. O safado do psiquiatra me enganou, só pode. Vou denunciá-lo! Vou processá-lo! Isso não se faz! Estou precisando muito de uma ajuda, e ele era a boia de salvação. Só me fez sentir enganado. Que falta de respeito! Não vai ficar assim mesmo!

Opa, espera um pouco, Dorinha. Acho que encontrei o remédio. Já não era sem tempo. O rapaz que me vendeu disse que nem todo mundo tem mesmo, que, na verdade, é bem raro alguém tê-lo hoje em dia. Então era isso. Bem, não importa mais. Achei o que queria, vou ver se compro umas dez caixas. Foi tão difícil encontrar alguém que tivesse que preciso me garantir.

Acabo de tomar uma dose. Vou tomar moderadamente, mas preciso ter um mínimo para me manter bem e seguir a minha vida. Remédio bom esse tal de Orgulho, viu? É bem verdade que, em excesso, vira tarja preta. Sabe tudo o psiquiatra! Já estou me sentindo bem melhor.

Adeus, Dorinha. Fui. Vou nadar por aí. 


segunda-feira, 11 de junho de 2012

Iguais no Fim


Tamara queria apenas mamar no colo da mãe, mas ela morrera ao dar a luz.

Érica, desde pequena, tinha dificuldades para comer, apesar do esforço de seus pais em alterar isso. Batiam tudo no liquidificador, mas pouco mudava.

Tamara foi abandonada pelo pai, morou na rua até ser abrigada por um orfanato, mas nunca teve uma casa para chamar de sua.

Érica sempre morou no mesmo apartamento luxuoso em frente à praia, mas estava cansada da rotina do lugar de sempre e das pessoas de sempre.

Tamara se empenhou nos estudos e até completou o Ensino Médio num colégio da rede pública, mas não conseguia pagar pelo sonho de cursar a faculdade de Direito.

Érica estudava Direito numa universidade pública e só tirava 10, mas queria ser atriz. Seus pais não deixavam. Diziam que não dava dinheiro, que não era trabalho de verdade.

Tamara era faxineira numa loja de roupas. Ganhava o suficiente para pagar as contas. Ia para o trabalho todo dia de ônibus. Até fez amizade com o motorista.

Érica ganhou um carro, mas não sabia dirigir. Ganhou um motorista, então. Ela odiou. Faltava-lhe privacidade.

Tamara namorava um rapaz aqui, outro ali, mas não pensava em se casar. Não confiava em relacionamentos. O que seu pai fez lhe causou traumas profundos. E chorava.

Érica planejava se casar de véu e grinalda um dia, mas ainda não tinha encontrado o amor da sua vida. Sonhava intensamente com esse momento, que nunca vinha. E chorava.

Tamara vivia a sua vida, mas queria viver outra. Não podia. Faltava alguma coisa. Faltava oportunidade. Sobravam sonhos. Sobravam problemas.

Érica vivia a sua vida, mas queria viver outra. Não podia. Faltava alguma coisa. Faltava independência. Sobravam sonhos. Sobravam problemas.

Tamara se cansou daquilo. Tirou a própria vida, após se jogar nos trilhos do trem.

Érica se cansou daquilo. Tirou a própria vida, após se atirar da sacada de seu apartamento.

Tamara e Érica nunca se encontraram e não tinham nada em comum, exceto tudo.

As duas não conseguiram viver, e morreram. Desistiram de tentar.

Ou não.

Morreram, para enfim tentar viver.

No fim, são todos iguais. Todos buscam um recomeço.

Todos buscam a paz.

  

  

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Primeiro Ano

Acordei hoje num tédio só. Não sei muito bem o que quero fazer nem se quero realmente fazer algo da vida. Prefiro ficar aqui na minha, pensando, divagando, vendo tudo passar. A preguiça me consome por completo. Falta disposição para agir. Falta tudo. Estou carente. Estou sozinha. Ninguém para conversar. Nem poderia, na verdade. Sou extremamente limitada para essas coisas.

De todo modo, estou com muita vontade de desabafar. Esse vazio, esse sentimento de nada, tem um motivo. Ou melhor, tem um nome: Tomás. Seu sorriso, sua simpatia e simplicidade me conquistaram logo de cara quando nos encontramos na praça. Posso dizer, do alto da minha larga experiência, que foi amor à primeira vista. Só não sei se foi recíproco. Na verdade, sei que não foi, mas não quero admitir. Ele não está nem aí pra mim. Tenho feeling pra essas coisas. Nessas horas gostaria de não ter.

Não me conformo. Meu pai diz o tempo todo que sou linda, inteligente e simpática. Devo ser mesmo. Chamo a atenção de todos. Na minha família sou a xodó. Todo mundo me elogia o tempo inteiro. Não só na família. Na rua também. Modéstia à parte, acho que sou um arraso. Só o Tomás não percebe. Que tristeza. Ele só quer saber daquela outra mulher, toda alta, que não o larga em momento algum. Sempre que os vejo, lá estão os dois passeando no carrinho idiota dele pra lá e pra cá. Que ódio!

Por que eu não posso ser feliz com o meu grande amor? Tenho certeza de que ele é a minha alma gêmea. Já falei que tenho feeling pra essas coisas? Não poderia ser muito diferente, convenhamos. Tenho um grande exemplo em casa. Meus pais são muito bem casados, muito apaixonados, eu acho. Vejo os dois sempre muito bem, sorriem pra mim o tempo todo, me fazem sentir a melhor pessoa do mundo. Sou uma felizarda por isso. Quer dizer, mais ou menos. Isso me mostra o quanto estou perdendo tempo enquanto não conquisto o Tomás de vez.  

A verdade é que eu preciso de uma dieta urgente. Estou uma bola! Todo mundo na família está comentando. Minha tia, entre caretas e outras bizarrices indescritíveis, outro dia deu gargalhadas de felicidade ao ver minha nova forma física. Falou um monte de gracinhas e até apertou minhas bochechas. Que louca! Parecia achar bonito. Acho que, no fundo, ela ficou alegre mesmo foi por ver que está em melhor forma do que eu, essa bola. Não aguento mais engordar. Tenho que cortar o leite, mas minha mãe não ajuda em nada. Fica o tempo todo querendo me dar comida. Nos últimos dias, então, foi ainda pior. Toda vez que eu choro (e tenho chorado muito por causa do Tomás), ela acha que é fome. Mãe é fogo. Mal sabe ela que estou apaixonada. Mal sabe ela que estou louca para me libertar. 

Tenho sempre muita vontade de chorar. Vontade de gritar para o mundo, não só o meu amor por ele, mas também tudo que vem me corroendo há pelo menos um ano, quando saí daquele breu solitário em que me encontrava. Não consigo. A voz não sai. Só grunhidos e sons estranhos. Que saco! Acho que nunca vou entender o que tenho de diferente dos outros à minha volta. São todos muito grandes, muito seguros de si, muito desenvolvidos. Por que não posso ser como eles? Qual o problema comigo? Será que, se eu for assim um dia, o Tomás irá me querer?

Preciso parar com isso. Não está me fazendo bem. Pensar no Tomás o tempo todo não me faz melhorar em nada, só sofrer. Tenho uma vida inteira pela frente e me considero madura o bastante para virar esse jogo. Quero dar uma volta, passear, mas me falta alguma coisa. Andar é um exercício muito complicado atualmente. Sempre foi, mas agora está pior. Meus movimentos, antes inexistentes, agora esboçam um início. Mas tento inúmeras vezes e torno a cair. Tenho certeza de que um dia vou conseguir. Conteúdo é o que me falta. Aposto que tudo mudará quando eu completar dois anos de vida. Serei bem mais madura. Uma moça. Tenho feeling pra essas coisas.

Agora estou realmente com fome. Quero leite. Vou chorar pra mamãe. Depois vou nanar. Espero sonhar com o Tomás para acordar chorando novamente.