domingo, 8 de abril de 2012

E se...

E se não tivesse uma pedra no meio do caminho?

O tempo passa. O tempo voa. A vida é sentida num piscar de olhos. Com tanta informação para ser digerida todos os dias, nossa percepção acaba ficando menos aguçada, menos seletiva. O filtro interno que possuímos é cada vez mais largo. Será que estamos nos atendo pouco ao que realmente importa?

E se letras não formassem palavras?

O conhecimento geral normalmente fascina e fornece poder, mas não é ele quem move o mundo. Não, senhor. O que difere um bom arroz de um arroz desprezível é o tempero. Não basta saber a receita, devemos sempre estar atentos às pitadas de sabor que fazem a diferença. Pitadas essas que não se limitam a um caso isolado. São elas, na realidade, que geram consequências para um amontoado de gente. É o tradicional efeito borboleta na sua forma metafórica de ser. Ou efeito dominó, como preferir.

E se viver em sociedade fosse o oposto de ser sozinho?

Na condição de advogado, permitam-me uma pequena ultra mini-aula jurídica. Será rápida, eu prometo. Agradeço a permissão. Sigo em frente: no direito brasileiro, para fins de critério, a Justiça, via de regra, analisa os efeitos de um ato e sua causalidade direta para aquele resultado. É um critério para não virar zorra. Aliás, para não parecer que não é uma zorra, vamos combinar aqui entre nós. Enfim, sem mais lero-lero, é algo objetivo, nesse campo de atuação. Só que a vida, os sentimentos, os momentos e os acontecimentos não são, nem de perto, passíveis de objetividade. Mais subjetivo do que isso só dois disso. Há ocasiões em que um pequeno detalhe acaba desencadeando tudo, que vem a fazer diferença dali pra frente. É o tempero mudando o sabor e o rumo de cada um.

E se Hitler não tivesse nascido?

É bem verdade que um dos grandes debates envolvendo religiosos e céticos diz respeito à dicotomia livre arbítrio x determinismo. “Nós temos o nosso poder de escolha e, dentro delas, o destino está traçado”, dizem os religiosos. “Como está tudo determinado se podemos escolher nossos caminhos?”, indagam os céticos. E assim a coisa (não) anda. O que importa, independentemente disso, é que pequenos fatores, minúsculos restos de algo grandioso, sempre fazem a diferença no somatório final. Basta olharmos pra trás e nos lembrarmos daquele segundo, daquele instante em que tudo mudou para sempre. Todos nós já passamos por isso e vamos continuar passando. Viver é, antes de tudo, se reinventar. Buscamos sempre a renovação. Ou deveríamos buscar: novos ares, nova casa, nova profissão, casar, separar, ter filhos, viajar e por aí vai. O novo é bom. O novo atrai.

E se não houvesse muro para lamentar?

Recentemente pude assistir ao reflexivo filme “Margin Call”, que trata, basicamente, das 24 horas anteriores ao estouro da última grande crise financeira mundial, em setembro de 2008. Sem entrar em detalhes para não tirar o prazer de quem ainda não o assistiu, a obra nos traz momentos de angústia, aflição, incerteza e, principalmente, medo pelo que ainda vai acontecer. Ao longo do filme, vamos vendo a cadeia de acontecimentos e tomadas de decisões da alta cúpula da companhia prestes a ruir. Percebe-se, claramente, que, por mais inevitável que tudo acontecesse, a forma como se deu o crash podia ser bem diferente. A cada detalhe, a cada negligência, foi ficando mais claro que, por orgulho e ganância, o destino de milhões de pessoas foi traçado. Foram para a lama, mas carregaram muita gente com eles. E se não fosse assim?

E se os olhos dos homens não tivessem crescido?

Os detalhes também estão presentes nos acontecimentos trágicos, históricos, instantâneos.  Como acreditar que a rebimboca da parafuseta de um avião cause mortes e mude a vida de tantos? E aquela decisão despretensiosa de ir por um caminho e, minutos depois, se acidentar para partir pra sempre? Como medir isso? Como dosar ou até mesmo evitar esse tipo de coisa? Não tem como. Não há nada por acaso, mas é o acaso que dita as regras do jogo. Os dados estão lançados ao jogo, diria Einstein.

E se Senna tivesse freado?

Também não é só de “se’s” ruins que se constrói uma vida definida nos detalhes. Há um bordão de rádio nas transmissões de futebol que sintetiza bem o que quero dizer. Quando sai um gol (momento máximo do futebol) lá vem o narrador: “E aí, fulano, qual é o detalhe? O detalhe é o que vale!”. E é mesmo. Nos vemos apegados a tanta informação, tantos mecanismos para viver, que não paramos nenhum segundo sequer para pensar como tudo se iniciou. Projetar como seria a vida se A, B ou C não tivessem as ideias que de fato vieram a ter. O que seria do mundo sem a maçã de Adão e Eva? Ou então, mais radical ainda, o que seria do mundo sem a maçã de Steve Jobs? Esse tipo de projeção, apesar de divertida e de imaginação fértil, é mais séria do que imaginamos.

E se não inventassem a roda?

O que esse tipo de efeito borboleta nos leva a refletir tem como resultado pensar quão efêmera, frágil e instável é a nossa vida. Não apenas a minha ou a sua. De todos nós, como um todo. A decisão de um único homem, em outro continente, nesse exato momento, pode mudar o rumo de tudo para sempre. Quem vai saber? O momento da fomentação das ideias para a tomada de decisão é o tempero do arroz. Se a comida causará indigestão ou se trará saborosas consequências aí é outra história. O fato é que a pitada faz a diferença.

E se Marthin não tivesse sonhado?

No fim das contas, nos deparamos com os fatos e nos lamentamos ou nos ludibriamos em virtude de uma situação condicional (mais conhecida como “se isso” ou “se aquilo”) para que acabemos por nos conformar ou inconformar com algo que realmente nos tocou. São encontros e desencontros, diretos, indiretos ou até mesmo distantes, que nos fazem mudar o rumo de nossas vidas. São oportunidades de reinventar a roda ou de sonhar acordado para produzir em prol do mundo. É o segundo que antecede o beijo, para o alcance do êxtase. É viver e aprender. A todo tempo, em cada milésimo de segundo.

Se a vida não fosse feita de detalhes mais fácil seria de entendê-la.
E mais chata de vivê-la.
E se...


“E se não tivesse uma pedra no meio do caminho?
E se letras não formassem palavras?
E se viver em sociedade fosse o oposto de ser sozinho?

E se Hitler não tivesse nascido?
E se não houvesse muro para lamentar?
E se os olhos dos homens não tivessem crescido?

E se Senna tivesse freado?
E se não inventassem a roda?
E se Marthin não tivesse sonhado?

Se a vida não fosse feita de detalhes mais fácil seria de entendê-la.
E mais chata de vivê-la.

E se...”

(Rodrigo Salomão – 08/04/2012)

Um comentário:

  1. Na verdade, então, nosso livre arbítrio não serve para quase nada, já que nesse mundo imenso, de tantas partículas (ou detalhes) instáveis - entre as quais nos inserimos, não temos nenhum controle da nossa sorte. Somos vítimas desse tal de acaso.
    Agora, se o acaso realmente não é acaso, se de fato todas as coisas escondem uma razão de ser, aí sim, considero essa dinâmica de mundo incrivelmente bela. É lindo pensar que tudo se move por si só, independentemente dos nossos atos e da nossa vontade, em prol de uma lógica superior, sublime.
    Mas do contrário, se pegarmos a ideia de que o acaso é concretamente um mero acaso, se acreditarmos que nossas vidas - e a sua enorme vulnerabilidade, que permite qualquer desvio em função de um qualquer detalhe que foge ao nosso controle -, estão sujeitas irracionalmente aos fortuitos do mundo, o viver perde todo o seu sentido. Porque um dia, qualquer dia, por qualquer motivo, casualmente, ele se acaba.

    No mais, adorei o texto! Gosto muito desses assuntos.

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