domingo, 15 de abril de 2012

Duas Caras

Gotham City sempre foi conhecida por ser uma cidade violenta. Uma cidade sombria, com alto nível de marginalidade, sem escrúpulos, muitos vilões e um cavaleiro, na figura de seu guardião.

Porém, numa noite não menos sombria que as demais, uma mosca de ouvidos afiados pousou num copo de cerveja, numa discreta mesa de bar, em que dois velhos amigos conversavam. Os dois estavam de capa. Um de capa preta, dono do tal copo, e o outro, trajando uma chamativa capa amarela, só no cafezinho. Figurinos diferentes, que lhe chamaram a atenção. Imediatamente a mosca se pôs a colocar as antenas ligadas.

Vamos acompanhar:


Batman: Robin, meu amigo, precisamos ter uma séria conversa.

Robin: Ora, Batman, para isso que estou aqui. Assim que recebi seu chamado vim o mais rápido que pude. O que houve?

Batman: Bem, tentarei ser direto. Os tempos estão difíceis. Estou em crise.

Robin: Crise? Explique melhor. O que posso fazer pra ajudar?

Batman: Por enquanto, nada, mas em breve poderá fazer muito. Está sabendo que as eleições de Gotham City estão se aproximando, certo?

Robin: Sim, e o que temos com isso?

B: Esse é o meu ponto. Estou em crise de identidade profissional. Não aguento mais ser o guardião dessa cidade.

R: Não?! Pensei que gostasse disso.

B: Não mesmo. Estou pensando em me aposentar para entrar na política e concorrer já nessas eleições. O que me diz?

R: Bem..hmm...eu não sei muito o que dizer. Sei lá, nunca pensei nisso. De onde você tirou essa ideia?

B: Você é meu parceiro há tantos anos, não tenho como esconder. A verdade é que recebi um convite que me deixou balançado.

R: Que tipo de convite? De quem?

B: Bem, fui chamado pelo Coringa, para encabeçar a chapa dele. Ele será o vice. Parece que o Pinguim e a Mulher-Gato vêm com tudo na oposição.

R: Macacos me mordam, Batmam! O Coringa? Ficou louco?

B: Louco?! Por que razão? Louco é ele, com aquela língua mole e babona (riso alto)! Falando sério, ele certamente trará muitos votos para nós.

R: Nós? Que “nós”? Agora “somos” do time dele? Não estou achando nenhuma graça. É pegadinha?

B: Claro que não é pegadinha, Robin. Ainda não sei se vou entrar nessa. Só recebi o convite, mas não tenho certeza.

R: Ufa! Pelo menos está em dúvida de se aliar a esse crápula.

B: Acorda pra vida, Robin! Minha dúvida não tem nada a ver com isso. Tenho medo de entrar nessa e perder a eleição. Odeio perder!

R: Juro que não estou entendendo. O Coringa representa aquilo que sempre combatemos: crime, corrupção, violência, enfim, acho que estou sonhando.

B: Exatamente. Acorda! Você está desorientado. Quero ganhar. Quero mais poder. Ele também quer. Isso é o que importa.

R: Mas de que maneira ele quer ganhar? Isso não interessa? E as suas ideias de paz? E os seus princípios?

B: Claro que agora não interessa, deixe de ser romântico. Paz não existe. Ideias, na prática, não existem. Poder sim.

R: Romântico? Eu?! E se autodenominar “Cavaleiro das Trevas” seria o que?

B: Seria, aliás, melhor dizendo, será parte do passado. Na verdade, é marketing. Acho que vou manter. Boa. Gostei.

R: Mas, Batman, e o povo todo que você tanto ajudou, lutando por eles? O que eles vão pensar de você?

B: Ah, qual é, Robin?! O povo vai pensar que o Coringa tomou jeito ué. Eu tenho credibilidade.

R: Mas ele tomou?

B: Não sei, não me interessa, já disse.

R: Então não te interessa se é verdade ou não o que o povo pensa?

B: Os tempos são outros, Robin. Não há mais espaço pra discussão ideológica. Deixa isso lá pro Super-Homem, que ainda tem aquela capa vermelha dele. O Coringa já tem uns esquemas. Precisamos de poder.

R: Esquemas? Mas quem tem o poder pra colocar vocês lá não é o povo?

B: Aonde você quer chegar? Sim, em tese são eles, já que são eles que votam.

R: E você não quer saber o que eles pensam? Estou confuso.

B: Robin, relaxa, respira e reflita um pouco. Eu sou bem apresentável e sempre protegi a cidade. O Coringa, por outro lado, apesar de ser meio maluquinho com aquela língua, dinamites e tal, tem o voto de toda a gente que me odeia e sabe como lidar com os esquemas. É a mistura perfeita! Quem se importa com nossas ideias? Robin, deixe de ser filosófico. E aí? Quer ser ou não meu assessor?

R: Preciso pensar.

B: Pensar no que? Está fazendo charme?

R: Não tem nada de charme. Sempre fui leal a você. Mas preciso pensar se a minha lealdade era restrita a você ou aos seus princípios e valores. Será que conseguirei colocar a cabeça no travesseiro e dormir tranquilo todas as noites? Isso, pra mim, faz toda a diferença.

B: Está bem, Robin. Pense e me diga. Só me responda mais uma pergunta.

Robin: Pode falar.

Batman: Você votaria em mim?

E, assim, o homem de capa amarela se levantou em silêncio, pegou sua moto e se pôs a andar solitário, triste e sem rumo, mas prestes a ter um sono tranquilo, como em todas as outras noites. 

Como sabemos disso? A mosca foi com ele, é claro. Não queria ser parada pela blitz da Lei Seca junto do homem da capa preta. Mosca esperta.


                                            
                                  Desenho: Daniel Mizrahi Neustadt Carvalho, em 16/04/2012.

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