domingo, 21 de abril de 2013

Escadas


A humanidade precisa de grandes homens. E precisa de grandes babacas. Tudo grande. Tudo em doses extremas. São os santos e os vilões. O oito e o oitenta. Isso pode ser legal, até divertido, competitivo. Mas é extremamente perigoso.

Aqui no Brasil (falarei especificamente daqui porque é onde conheço bem), tem-se o costume de colocar nomes pomposos em ruas, estádios, praças públicas, dentre outros, para homenagear grandes pessoas. Gesto bonito, se não fosse um pequeno problema: quem é que julga a grandeza e o merecimento dessas pessoas?

Vamos caminhar com alguns exemplos práticos. Estamos entrando agora no mês de maio e, dentre milhares de lembranças merecidas ao dia das mães, um ou outro lembrará que a Lei Áurea (aquela que aboliu a escravidão) foi assinada neste mês. Quem assinou? Princesa Isabel, vocês sabem. Virou nome de rua, na zona sul do Rio, importante e imponente. Bonita lembrança e tal, mas será que ela merecia mesmo tal honraria? A verdade é que Isabel somente assinou a lei. Não era politizada e não tinha o menor interesse por nada do assunto. Fez o que lhe pediram. Muita gente esteve envolvida nisso, lutou de verdade para abolir a escravidão, mas todos foram esquecidos pelo caminho. São as escadas da história.

Eis a questão: os fatos históricos adoram uma grife. Barões, príncipes, princesas, generais, presidentes, imperadores. Todos são comumente citados, com seus nomes, sobrenomes, pedigrees, biografia e contexto. Sempre eles destacados, com o “povo” vindo atrás, de acessório, sem nomenclatura definida. Sem importância detalhada. Mas nós gostamos disso. Adoramos aumentar os feitos de pessoas carregadas com sua marca tarimbada. Tudo agora é genial, se vier de alguém com mídia.

Assim vimos também a questão das vilanias. Tudo bem que Hitler se empenhou muito para ser o grande antagonista da humanidade que se tem notícia, mas vejamos, por exemplo, líderes atuais transformados em santos e diabos, dependendo apenas da dose de paixão ou ódio que for incluída no seu caldeirão ideológico. A morte de Hugo Chavez trouxe à evidência esse embate louco e carregado de emoções muitas vezes injustificáveis sob o ponto de vista da razão. E não precisamos refletir muito para lembrar de outros tantos seres que vêm sendo alvo dessa discussão “mitológica”, principalmente nas redes sociais: Joaquim Barbosa, Lula, Senna, Fidel Castro, Neymar, Obama e por aí vai.

Mas, calma lá. Vamos parar, pensar, estudar e entender, né? Às vezes, respirar faz bem. Oxigena o cérebro e traz a verdade.

Esse é o problema: a verdade é que não há verdades absolutas, nem me proponho a buscá-la sobre o assunto. Não sou antropólogo, sociólogo, nada disso. Só acho curiosa a necessidade de nos agarrarmos, às vezes com fé cega, aos grandes ícones da humanidade. Nem sempre paramos para refletir se esses ícones merecem mesmo o status, se a escada deles não teve sua importância (lembram do filme “O Discurso do Rei”?), se eles mesmos foram tão santos assim.

A vida real não é uma novela, com Ninas e Carminhas. Mesmo porque, até mesmo para estas duas personagens, foi necessário o reforço brilhante de outros personagens, de outras histórias, outras falas e outro emaranhado de situações construídas em torno de tudo.

É disso que a história é feita: de muita gente. De muita carne, muito osso. Muito suor para subir.

Porque, para descer, é mole: todo santo ajuda.




                                                       Ilustração: www.gostodeler.com.br

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