domingo, 6 de janeiro de 2013

O Pedido


Aquela instituição falida, que permanece viva há milênios enquanto bancos quebram a torto e a direito. Aquele prenúncio do fim, que todos (ou quase) anseiam e desejam até contraí-lo. A verdadeira contradição entre ser livre e ser amado.

Nosso conto hoje é sobre o casamento.

Na verdade, sobre um pedido de casamento. Esse momento tão difícil. Tão tenso. Tão intenso. Talvez até mais do que a relação em si.

Fábio, nosso protagonista, namorava Isabel há uns cinco anos. Ou seis. Ou oito (não era bom com presentes e datas comemorativas). Mas era bom no amor. Um ótimo namorado, fiel, romântico e dedicado. Baita cara. Daqueles que iriam a pé do Rio a El Salvador. Ida e volta.

Mesmo assim, andava nervoso. A ansiedade tomava conta nos últimos dias. A relativa estabilidade profissional e um bom planejamento lhe proporcionaram sonhar com a ideia há anos semeada apenas no campo dos projetos até então inalcançáveis: finalmente surgira a chance real de pedir Isabel em casamento.

Passou a pensar em todos os detalhes, nas mais variadas formas de pedir e surpreender, mas nada lhe ocorria. Até que um belo dia, num estalo, ao lembrar que no dia seguinte seria o aniversário de sua amada (não era bom com isso mesmo), resolveu lhe fazer uma surpresa na festa. O anel de noivado e o pedido seriam feitos em meio à comemoração de 25 anos de Isabel. E fosse o que Deus quisesse.

Mas Fábio não estava disposto a correr riscos. Era um cara sensato e, acima de tudo, meticuloso o suficiente para não desejar de forma alguma passar vergonha. Resolveu, então, fazer um boicote a si mesmo. À sua surpresa. Telefonou para a casa de Isabel.

TRIM!

-- Alô?

-- A Isabel está?

-- Sou eu. Quem é?

-- (ofegante) Isso não importa. Escute o que tenho a lhe dizer. É muito importante.

-- Quem é, moço? É trote? Olha que eu tenho bina!

-- É um aviso: seu namorado. O Fábio.

-- O que tem ele? Foi sequestrado?

-- Vai te pedir em casamento amanhã. Fique esperta.

-- (emocionada) Oh, jura? Nossa, não sei nem o que dizer.

-- Diga sim ou não. Mas não agora. Amanhã. Adeus.

-- Espera um pouco! Quem é?

(Tu Tu Tu)

E foi assim que Fábio estragou sua própria surpresa. Mas valia à pena. Era melhor fazer isso do que correr o risco de levar um sonoro “não” na frente de todos os convidados da festa. Agora era simples: se Isabel fosse ao seu aniversário e não falasse nada com ele até a hora do pedido, isso significaria que iria aceitar. Caso contrário, o vexame público seria evitado.

O mais engraçado, Fábio pensou, foi ver a curiosidade de sua futura noiva. Bina? Quem tem bina hoje em dia? Bonito blefe. Mas, pensando seriamente, ainda bem que ela não reconhecera sua voz. Fábio era um ótimo imitador. Na hora fez umas flexões vocais, uns gargarejos, colocou um pano sobre o telefone e mandou ver. A coitada nem desconfiou.

O dia do aniversário chegou. O pedido de casamento veio junto dele: uma bela surpresa, com cartazes e emoção, misturando a hora do parabéns com a proposta. Assim também veio o “sim” da (agora) noiva. Felicidade geral. Alívio de Fábio, choro de Isabel. Todos cumprimentaram o casal, lhes desejando vida longa. Assim fora bem menos tenso. Muito menos doloroso. Nosso protagonista estava orgulhoso de sua inteligência.

Todos estavam genuinamente felizes. Claro que a pontinha de inveja das amigas encalhadas da noiva se fez presente, mas nada perigoso. Só uma pontinha à toa. O ambiente estava leve. 

Eles iam mesmo se casar.

Só que, nesse burburinho todo, uma única pessoa estava encucada. Alegre sim. Era um sonho se concretizando, realmente. Mas a pulga atrás na orelha agora estava lá. Isabel estava ainda um pouco atordoada. Não entendeu nada do que acontecera no dia anterior.

Resolveu tirar aquilo a limpo. Já que iam casar, não podiam ter segredos. Puxou seu noivo num canto e interrogou:

-- Por que fez aquilo ontem? Esqueceu que eu tinha bina? Você mesmo me deu no ano passado, lembra? Essa tua paranoia com medo de sequestros finalmente me serviu pra alguma coisa. Você veio com aquele papo, com uma voz estranha, e eu fui levando pra ver até onde ia. Não entendi nada. Explique-se.

Fábio ficou mudo, gelado, verde, azul, amarelo. Sem reação. Mal tinham começado o noivado, e já aconteceu o primeiro “batom na cueca”. Agora lembrara: ela tinha bina mesmo.

Só lhe restou pedir desculpas e contar a verdade sobre o medo de ser negado na frente de tanta gente. As súplicas de um desmemoriado vieram, claro, seguidas da compreensão e do perdão de uma recém-noiva.

Quem mandou não ser bom com datas e presentes?

O primeiro ato do casal foi jogar a bina fora. Quem precisaria daquilo hoje em dia?

Mas fiquem tranquilos, leitores. Eles superaram tudo mesmo e foram felizes para sempre, com filhos, cachorro, carro e tralha e tal.

E Fábio comprou uma agenda. 


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