sexta-feira, 21 de junho de 2013

Desabafo*

*por Vinícius Alvarez, presente ontem nas manifestações no Centro da cidade, aqui no Rio de Janeiro

"Estou anestesiado. Ontem tive uma descarga de adrenalina absurda e hoje estou exausto. Cansado. Não sei o que pensar, mas talvez estas palavras me ajudem. Sempre o fizeram. (post scriptum: estou muito mais “leve” depois de escrever este texto)

Ontem eu vi o choque. Eu vi o terror. Homens de preto. Muitos. Fiquei longe, como a prudência manda, mas meu medo não. O pânico era palpável. Assim como a adrenalina. Muita. Só consegui dormir desmaiado. Minhas forças se esgotaram. Bebi para entender e continuo sem o fazer. Não entendo. Acho que ninguém entende. Não vi flores. Vi um muro de lamentações confuso e abstrato.

Estava com um amigo de um amigo. Hoje parece um fantasma. Assim como com certeza o sou para ele. Foi tudo tão surreal. Não consegui falar com ninguém. Não encontrava saída. Não sabia para onde correr, de que correr, quando correr.

Queria chegar mais perto e investigar, participar, entender, ver, sentir, chorar, xingar, pensar, mastigar, degustar aquela multidão. Mas não consegui. O choque não deixava. Os homens de preto mostravam que não estavam para brincadeiras. Gente tirando pedras portuguesas do chão para tacar na polícia. Gente sangrando. Eu senti um pouco de gás lacrimogêneo algumas vezes. É ruim. Dói.

Tento segurar um rapaz, que me vira, sangrando, e diz “você viu o que eles fizeram?! Você estava lá?!”. Deixei partir. Não posso ser opressor como eles. Eu não senti o que ele tinha. Outro rapaz, sentado, tentando segurar as lágrimas. Oferecem-lhe vinagre. O ajudo a sair do centro da manifestação.

Quem tinha medo, como, suponho, todos temos, ficou com medo. Quem tinha coragem, tentou, recuou, tentou, recuou, até que todos recuamos. Acuados. Desesperados. Neste vai e vem foram dez, doze vezes. O choque atira. Atiram fogos. O povo aplaude. O choque atira. Acabaram os fogos. Atiram pedras. O choque manda. Nós, no final, obedecemos. O barulho de vidro quebrando. Gritos de “para!” e “sem violência” já não adiantam. A violência nos tomou. A turba é surda, cega, muda e burra.

Não sei para onde o “movimento”, se é que ele ainda possui força inercial suficiente, vai. Não sei de nada. Acho que ontem foi o último grande ato (do Rio). Posso estar errado. Quero estar. Mas não sei se temos mais forças. Deveríamos ter. Tem muita, muita coisa errada. Mas acho que não é deste modo que vamos resolver.

Não tenho soluções praticas e viáveis para apresentar e sei que isto é falho. Mas a descarga elétrica que eu tive ontem vai ficar comigo para sempre. E isto é real. E tinha que ser escrito."


                                                            Foto: site do Jornal Extra

domingo, 16 de junho de 2013

Muito Prazer

Brasil era um menino quieto. Vivia na dele, desde que nasceu. Nunca incomodou ninguém. Brigava de vez em quando com alguns vizinhos, mas nada grave. Coisa de criança. Porradaria, daquelas brabas, não era coisa do Brasil.

Mesmo porque, o rapaz era extremamente talentoso. Com arte na veia, cheio de vida, desenvolto e inteligente. Só que era praticamente mantido numa redoma moral. Uma redoma cheia de limites impostos pelos seus rígidos pais, que não deixavam o menino criar asas sozinho. Pelo contrário, só exploravam o rapaz.

Brasil teve que trabalhar desde cedo, ralando, trazendo o sustento pra casa, enquanto seus pais apenas administravam o dinheiro do trabalho imposto, gastando a seu bel prazer. Ao pobre Brasil, nada, apenas uma mesada que mal dava para comprar uma garrafa de vinagre. “Você é jovem, rapaz. Cheio de energia, tem que trabalhar mesmo!”, bradavam. E Brasil trabalhava, trabalhava, trabalhava. Estava começando a ficar cansado com a situação.

Até o dia em que, de repente, os pais de Brasil cortaram vinte centavos de sua mesada, com justificativa “no preço do arroz, que aumentou”. O trabalho do rapaz, que já pouco rendia, renderia ainda menos. Foi a gota d’água.

O menino virou homem. Levou um choque de realidade. Passou a pensar. Começou a incomodar. Os seus pais foram os primeiros a perceber a mudança. Logo deixaram o filho de castigo. Mas ele precisava sustentar a casa, então não deu muito certo. Tentaram, então, partir para a agressão. Tinham que deixar marcas, para o moleque (para eles será sempre um moleque) aprender.

E ele aprendeu.

Aprendeu a pensar.

Aprendeu a agir.

Aprendeu a se olhar no espelho.

Aprendeu a se amar.

Hoje, o menino Brasil passa por um processo de afirmação. De autoconhecimento. Está virando um homem de verdade, maduro, reflexivo, engajado e proativo. Aquele, que não incomodava ninguém, parece não existir mais.

Os seus pais lamentam, fingem que ignoram a mudança, tentam de tudo para acabar com essa “rebeldia sem causa”.

Mas eles perderam essa.

Agora só lhes resta se perguntar, incrédulos, finalmente após tantos anos: “que menino é esse?”.

É a força do Brasil.

Prazer em conhecê-lo.


                                                      Imagem: www.gentedeopiniao.com.br